Hoje eu tinha diversos compromissos.
Logo hoje.
Hoje tinha dito "sim" pra muitas coisas e tentei dividir meu tempo para comparecer onde prometi, fazer o que disse que faria e honrar minha palavra.
Mas apenas tentei dividir o tempo pois a alma já tinha lugar certo.
Desde ontem eu só pensava em estar num lugar.
E pra lá que meu corpo foi. Junto a ele, minh'alma.
Uma singela mas extremamente linda homenagem a um exemplo de militar, de pessoa e, por que não dizer, de colega de farda, de braçal.
Incrível como usamos ditos, frases, pensamentos no Exército e, por muitas vezes, por muito tempo, apenas fazemos isso da boca pra fora, de maneira vã mas quando passamos por certos momentos tudo parece -do nada- fazer sentido.
Quem serve na 1ª Companhia de Guardas é chamado de Cachorrão, tendo em vista nosso símbolo ser um cão de guarda.
Anualmente os Cachorrões promovem encontros e é impressionante como as mesmas histórias são contadas, ri-se das mesmas situações e parece ser sempre a primeira vez que ouvimos.
Esse sentimento, essa camaradagem, esse espírito de corpo, de cada um ter sua individualidade mas juntos sermos apenas um é que nos torna especiais, nos torna fortes e unidos de tal forma a nos denominarmos Eternos Cachorrões.
Pra quem ouve, "Eterno" parece o tipo de frase, de termos ditos da boca pra fora.
Só parece.
Pra quem ouve, "Eterno" parece o tipo de frase, de termos ditos da boca pra fora.
Só parece.
Todos iremos passar, isso é fato.
Todos nascemos e todos partiremos mas o que fazemos com nossas vidas neste intervalo pode fazer toda a diferença tanto nas nossas vidas como nas das pessoas que nos cercam.
Hoje fui me despedir do General Marsilac, o maior Cachorrão que conheci. Não pelo seu posto mas sim pelas atitudes, pelos exemplos, enfim.. o maior Cachorrão que conheci pois, apesar de ter conquistado o generalato, de ter conquistado o direito de ser chamado de excelência e sua esposa de madame pois assim manda o protocolo, o General Marsilac era um soldado.
Um homem da tropa que, pelo que aprendi e convivi, gostava de estar entre seus homens, seus comandados.
Sinto ter servido à minha Pátria por apenas sete anos. Sete anos que dei minha vida, dei meu sangue e procurei fazer meu melhor e, quando meu melhor não bastava, fiz mais que podia, mas acredito nunca ter decepcionado meus colegas.
Lamento não ter servido com o general mas servi com tanta gente boa que não posso me queixar.
Dia destes li uma frase que remeteu ao General:
"A palavra convence mas o exemplo arrasta!"
Hoje fui me despedir do Excelentíssimo Senhor General Marsilac.
O General era de Infantaria e, como bom Infante, era fanático pela "Rainha das Armas"; era fanático pela Nobre Infantaria.
Casou no dia 24 de Maio. Dia da Infantaria e, era seu desejo que, ao falecer, tivesse suas cinzas jogadas aos pés da estátua do Brigadeiro Antônio de Sampaio, Patrono da Infantaria.
Nada mudou, excelência!
Muitos usam esta frase mas poucos a cumprem e pra Cachorrão, missão paga é missão cumprida!
Cheguei à praça 5 minutos antes da cerimônia e, discretamente, de longe, tirei a única foto que registrei acima, antes de iniciar este texto. Apenas para mostrar aos meus filhos e netos e então eu pudesse ilustrar a homenagem de hoje.
Muitos usam esta frase mas poucos a cumprem e pra Cachorrão, missão paga é missão cumprida!
Cheguei à praça 5 minutos antes da cerimônia e, discretamente, de longe, tirei a única foto que registrei acima, antes de iniciar este texto. Apenas para mostrar aos meus filhos e netos e então eu pudesse ilustrar a homenagem de hoje.
Hoje não era dia de fotos. Não com câmera ou celular.
Hoje era dia de respeito, de celular no bolso e pensamento longe... era dia de lembranças.
Dia de sorriso pelo legado deixado por um homem que conquistou muito no Exército mas fazia questão de ser tratado como se tivesse muito a conquistar.
De longe vi os Cachorrões fardados comandados pelo tenente Barros e de pronto fui a eles.
Me apresentei, disse que era Cachorrão e é impressionante, inexplicável como não importa se os Cachorrões serviram juntos, se nunca se viram, Cachorrão se entende no olhar, em 2 minutos de conversa todos parecíamos velhos conhecidos.
Coisas de alma, sabe? Isso se sente, não se explica.
Fui apresentado à família do General; à sua esposa e ao seu filho, o Coronel Marsilac. Fui apresentado à Família toda, como o 'autor dos textos em homenagem ao general' e então amigos, aqui meus olhos começam a se encher de lembranças...
Lembrança das expressões dos rostos como quem diz "então esse é o Gerson..." ou melhor, ouvir um "Muito obrigado pelo que escreveste!"
Sinceramente, apenas tentei colocar no papel, escrever um pouco sobre um homem espetacular, não tenho mérito algum pois o mérito é todo do General Marsilac... sou apenas um soldado.
Simples assim, como coisa de soldado.
Mas que honra foi ouvir cada palavra da família do general. Nossa...
De repente o coronel Marsilac me chama e diz que tem uma missão pra mim:
-"Gerson, gostaria que -em homenagem ao meu pai- tu puxasse a Oração do Infante!"
. . .
Temos uma Canção da 1ª Companhia de Guardas. Cada pelotão da Cia tem seu brado.
Mas a Oração do Infante de Guardas é sagrada.
Arrepia.
Pois a Canção da Cia, os brados dos pelotões arrepiam quem canta e quem ouve pela vibração, pelos pulmões. Todavia, a Oração arrepia porque não se executa 'apenas' a plenos pulmões mas o órgão usado é o coração. A Oração arrepia de dentro pra fora. Passa antes pela alma, pelo coração pra depois arrepiar o corpo. Antes, arrepia a alma!
Uma vez soldado, sempre soldado.
Havia um 1º Tenente em forma. Hierarquia e disciplina diferenciam o Exército de um 'bando armado'. Assim aprendi com meu ex-chefe da 2ª Seção.
Hierarquicamente pedi ao coronel que o Tenente puxasse a Oração e agradeci a imensa honra que ele concedeu a mim, um simples soldado.
A bem da verdade, eu estava com o peito a mil e não sei se conseguiria puxar a Oração até o fim sem os olhos lacrimejarem.
Pois bem, avisei aos soldados e logo eles se perfilaram. Entraram em forma ao lado do coronel e eu, discretamente, fiquei entre a família e os ex-comandados do general, ouvindo as palavras emocionadas do coronel, mesmo ele tendo me convidado pra ficar ao lado dele.
Não teve jeito.
Para minha imensa e indescritível honra, o coronel, em meio ao seu discurso, me convidou para ficar ao seu lado e prontamente me dirigi até ele.
Fiquei ao seu lado mas, não adianta, amigo... a farda sai do corpo mas não da alma portanto, dei um passo à retaguarda e fiquei ao lado dos Cachorrões que estavam fardados.
Emocionando a todos, o coronel Marsilac discursou, explicou o significado da Oração do Infante para nós Cachorrões e, logo após, solicitou que o tenente puxasse a Oração.
Assim foi.
O tenente comandou sentido e eu, agora civil, paisano, não respondi o comando. Não de corpo mas a alma alternava: por vezes em posição de sentido, por vezes de joelhos em oração. Isso aprendi em um livro: "Em dados momentos o corpo pode estar em pé mas a alma está de joelhos".
Não tardou e minh'alma mandou e o corpo obedeceu.
Perfilei-me aos Cachorrões fardados e bradei com eles nossa Oração.
Com vibração!
Com raiva!
Com sangue nos olhos!
Com raiva!
Com sangue nos olhos!
Enfim.. com a alma...
Assim, novamente, foi.
Após, o coronel deu a cada um um pouco das cinzas do general. Depositamos aos pés do Brigadeiro Sampaio.
Sua família, seus amigos... todos, cada um do seu jeito, prestou sua homenagem.
Eu me agachei, fui pra um cantinho e abri minha mão. Simplesmente deixei o vento gelado levar as cinzas daquele grande ser humano.
O vento veio, levou -pouco a pouco- tudo que havia em minhas mãos e então fiquei quieto, imóvel e curioso para ver qual sentimento eu teria, o que viria em minha mente quando o vento levasse tudo.
Pois bem; compartilho o que pensei na hora com vocês:
"O vento -assim como o tempo- leva coisas, leva pessoas, oportunidades.
Com o tempo, o vento tudo leva.
Mas por mais forte que seja o vento e por maior que seja o tempo
sempre fica algo.
Alguém sempre fica no corpo, na mente, na alma ou em tudo isso.
O homem nasceu da terra.
O fogo transformou um homem em cinzas.
O vento levou as cinzas à terra e um ciclo terminou.
Todos viemos do pó e ao pó todos voltaremos.
Agradeço às pessoas que convivo e deixaram um legado pra ser seguido.
Agradeço de corpo e alma.
Neste momento meu corpo estava agachado mas a alma...
A alma, meu amigo, ora estava de joelhos, ora em posição de sentido."
Partiu nosso Comandante maior.
Melhor homenagem não podia ter acontecido; a um grande soldado, grande Infante... a um grande amigo.
À Família, minhas mais sinceras e humildes condolências. Todo meu agradecimento por cada olhar, cada palavra, cada sentimento demonstrado.
Muito obrigado pela honra de me permitirem presenciar este momento que será, por mim, meus filhos e netos, eternamente lembrado!
Obrigado; simples assim... como coisa de soldado!